".. A música e os pássaros têm muito em comum, é que não conhecem fronteiras, não há lei que os impede navegar ao redor do mundo .. a música começa onde termina a linguagem, porque exprime o inexplicável .."

quarta-feira, 11 de abril de 2012

Jeff Beck & Les Paul

Jeff Beck e Les Paul: ‘como eram bons os anos 50′


Julio Maria

Jeff Beck olhava para os lados nos anos de 1980 e via um grande deserto. Era como se tudo o que havia acontecido de bom desde 1950, quando perguntou a sua mãe de onde saíam aqueles sons limpos de guitarra e ela respondeu Les Paul, tivesse sido tragado para algum lugar desconhecido. Beck lamentou: “Nada nos anos 80 foi feito com substância. Toda a sabedoria dos anos 50 e 60 estava perdida.”
Até que, em um inspirador programa de TV, Jeff Beck viu um cara tocando uma caixa de bateria, um outro maluco espancando um baixo acústico e um terceiro rapaz de topete nas alturas cantando Twenty Flight Rock e solando uma guitarra rápida e quente. Eram os Stray Cats fazendo voltar, ao menos para Jeff Beck, os bons tempos de Les Paul.
Não é fácil identificar Les Paul em Jeff Beck. O primeiro, americano, criador de uma guitarra com corpo sólido, de mil truques e um estilo que seria absorvido para sempre pelos rockabilly, tinha dedos longos que subiam e desciam em frases limpas e ligeiras o bastante para todas as semanas ter a seus pés as plateias do pub Iridium, em Nova York.
O segundo, inglês, fez sua música crescer com o tempo. Começou no blues, como os vizinhos Eric Clapton e Jimmy Page, mas se libertou de todos os clichês quando apostou em um novo jeito de tocar o instrumento. Sua mão direita raramente segura uma palheta e seu instrumento jamais repete a mesma palavra.
Jeff Beck e Imelda May tocam na festa do Grammy em 2010, em homenagem a Les Paul (FOTO: REUTERS/Mike Blake)
Fusion, experimental, jazz, louco, foi chamado de tudo um pouco nos últimos 20 anos. E agora volta aos tempos de Les Paul em um esforço até físico para fazer a homenagem mais relevante que o inventor já recebeu de um súdito.
Foi em 9 de junho de 2010, quando Les Paul completaria 95 anos se não tivesse morrido um ano antes por complicações de uma pneumonia. Na plateia: David Bowie, Steven Van Zandt, guitarrista de Bruce Springsteen, e duas centenas de fãs, alguns vindos até do Japão com o nome de Jeff Beck nas costas.
No palco: Beck à frente de uma cozinha de baixo acústico e bateria, o jovem cantor rockabilly inglês Darrel Higham e sua inacreditável mulher, também vocalista, Imelda May. Como convidados especiais: Brian Setzer, ex-Stray Cats, o homem salvou os anos 80 de Beck das ruínas; o cantor soul da velha guarda Gary U.S. Bonds; e o instrumentista jazz da ‘nova guarda’ Trombone Shorty.

Beck escolheu músicas não necessariamente gravadas ou compostas por Les Paul, mas temas que usaram seus efeitos e que fizeram parte de seu universo. Train Kept a Roolin’, Sitting on Top Of The World, Vaya Con Dios, Tiger Rag, Peter Gunn… Um dos efeitos, talvez o mais curioso, aparece em várias cantadas por Imelda May.
Les Paul, um dos pais da guitarra, foi também o avô do playback. A partir do momento em que Imelda canta How High The Moon – que Beck diz ser a sua preferida na entrevista dos bônus – algo faz a plateia procurar no palco por mais gente. Afinal, de onde saem aquelas outras vozes abertas em intervalos de terças, quintas, sétimas, enfim, onde está aquele coral?
É o playback inteligente, o overdubing. Em vez de substituir a voz do cantor, o efeito a deixa mais rica. O problema é que Imelda usa o recurso em sete músicas seguidas, e mesmo a genialidade de Les Paul pode cansar.
A parte dos extras, aqui, pode ser assistida antes do show. Serve como uma perfeita introdução. Jeff Beck fala do show, mas também de assuntos sobre os quais muitas vezes se negou a comentar a jornalistas. Eric Clapton, que foi substituído por Beck nos tempos de Yardbirds, parece ainda ser um incômodo.
Jeff Beck toca a cerimônia de 25 anos do Hall of Fame norte-americano em 2009 (REUTERS/Lucas Jackson)
Os jornais da época diziam que um não suportava o outro, o que não parece mais apenas invenção. “Você quer mesmo falar dele?”, pergunta Beck, erguendo os óculos diante da jornalista. “Eu o substitui nos Yardbirds. As meninas que esperavam por ele um dia me viram no show e eu disse que só iria tocar um solo de guitarra. Toquei, elas adoraram e eu falei ‘E agora, Clapton?”
A relação dos dois hoje, no entanto, seria “genial”, segundo Beck. E uma distância maior entre o fã Jeff Beck e o ídolo Les Paul se coloca quando a jornalista quer saber quem, na opinião do guitarrista, teria condições de ser um novo Jeff Beck.
Ele tampa os ouvidos e solta duas frases com uma falta de humildade que Les Paul jamais teria: “Não quero que ninguém me desafie. Não há muitos guitarristas por aí melhores do que eu.” Bem, pensando melhor e revendo o DVD, ele tem razão.

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