".. A música e os pássaros têm muito em comum, é que não conhecem fronteiras, não há lei que os impede navegar ao redor do mundo .. a música começa onde termina a linguagem, porque exprime o inexplicável .."

quinta-feira, 19 de julho de 2012

The Isle Of Wight Festival (1970)


Disk 1 - Download

01 – Free – All Right Now
02 – Jethro Tull – My Sunday Feeling
03 – Leonard Cohen – Suzanne
04 – Jimi Hendrix – Foxey Lady
05 – Jimi Hendrix – Voodoo Child (Slight Return)
06 – Ten Years After – Can’t Keep from Cryin’
07 – Kris Kristofferson – Me and Bobby McGee
08 – Joni Mitchell – Big Yellow Taxi
09 – Joni Mitchell – Woodstock
10 – Emerson,Lake & Palmer – Blue Rondo a la Turk-Pictures at an Exhibition-Drum Solo
11 – The Doors – When the Music’s Over

Disk 2 - Download

01 – The Who – Young Man Blues
02 – The Who – Naked Eye
03 – Tiny Tim – There’ll Always Be an England
04 – Taste – Sinner Boy
05 – Joan Baez – Let It Be
06 – The Moody Blues – Nights in White Satin
07 – Donovan – Catch the Wind
08 – Family – Weaver’s Answer
09 – John Sebastian – Red-Eye Express
10 – Miles Davis – Call It Anything
11 – Great Awakening – Amazing Grace
12 – Bob Dylan – Desolation Row


Isle of Wight Festival 1970

O verão de 1970 foi bastante diferente para os habitantes da ilha de Wight, mesmo em comparação aos dois anteriores. Os cinco dias entre 26 e 30 de agosto viraram o lugar para o avesso. A semente plantada pelo primeiro festival na ilha, em 1968, acabara por render seu fruto mais espetacular. Naquele verão, o festival atraiu cerca de 600 mil pessoas, uma quantidade seis vezes maior que a própria população da ilha. Atraídos por artistas do quilate de Miles Davis, Leonard Cohen, Who e Jimi Hendrix Experience, jovens de toda Inglaterra, Europa e Estados Unidos rumaram para a ilha de veraneio onde só é possível chegar de barco.

A expectativa da organização do festival era receber um público de 200 mil pessoas. Para isso, prepararam uma fazenda em Afton Down, parte oeste da ilha, cobrando somente três libras para sexta, sábado e domingo. A ilha e o festival foram se tornando um barril de pólvora a partir de quinta, quando as pessoas começaram a chegar e não pararam mais. Felizmente, o único lugar onde esse barril explodiu foi no palco, nos amplificadores dos artistas que se sucederam ali ao longo de cinco dias. Mesmo sem acontecer o pior, os moradores não gostaram nada de hippies, ativistas políticos de esquerda e, muito menos, motoqueiros com suas motos barulhentas, minoria neste festival, andando por “suas” ruas. Outro pequeno incidente foi o boato que o festival se tornara de graça e, por isso, várias pessoas tentaram derrubar o cercado para entrar na marra. Com todas as dificuldades que cercam a organização de um evento assim, essa edição acabou sendo a última do festival.



As comparações com o festival de Woodstock, ocorrido em Bethel, Nova Iorque, cerca de um ano antes, são inevitáveis. O caráter social e político são imbatíveis. Nada supera um evento contra-cultural daquele porte no quartel general do capitalismo. A comparação enquanto artistas escalados, o festival inglês ganha pela pluralidade de ritmos e formas de se fazer música, apesar de alguns artistas terem participado dos dois festivais. A partir daí, qualquer comparação fica difícil de ser feita.
O festival da Ilha de Wight de 1970 foi o clímax do projeto que começara dois anos antes. A aliança entre a presença de um público grandioso com um ecletismo musical peculiar para qualquer festival grande foi o que fez deste o maior de todos os tempos.




Quarta e quinta (26 e 27 de agosto)
Os festivais ingleses, normalmente, são em bank holidays – como eles chamam os feriados prolongados por lá -, sempre de três dias. Porém, naquele ano, os organizadores resolveram esticar um pouco mais o festival e conseguiram apresentações para quarta e quinta. A maioria dos artistas que se apresentaram nesses dias não teve vida longa. As apresentações foram pouco documentadas, sabe-se muito pouco sobre as músicas dos shows, as reações do público e desempenho dos artistas.
Na quarta, o autor de Bobby McGee, Kris Kristofferson foi a atração mais comentada. Na quinta, a Supertramp fez uma de suas primeiras apresentações. Alguns dias antes, eles tinham lançado a primeiro disco e os anos 1970 seriam bastante lucrativos para a banda.
O acaso de Caetano Veloso e Gilberto Gil estarem vivendo na Inglaterra justamente quando o festival foi realizado gerou a oportunidade para uma apresentação de Gil no festival. Provavelmente Gil era o único artista no festival que não cantava predominantemente em inglês. As informações da apresentação de Gil são poucas e desencontradas. Em alguns textos, há relatos de uma participação de Caetano Veloso e a boa recepção do público ao som de Gil. As músicas apresentadas não são conhecidas, mas fica o orgulho de ter um dos principais movimentos musicais brasileiros representados no maior festival de música do mundo.


Sexta (28 de agosto)
Quando a manhã de sexta trouxe o calor do verão de volta à ilha, o público começava a ocupar o campo da fazenda e os morros em volta. Foi graças a esses morros, à direita do palco, que o público atingiu os números estratosféricos que até hoje impressionam.
A primeira banda que subiu ao palco naquele dia foi a Fairfield Parlour, que com o nome de Kaleidoscope aparecerem na trilha sonora de Zabriskie Point. Talvez a primeira apresentação que se tornaria lendária é a do Taste. Power-trio fiel ao blues elétrico, que contava com o lendário guitarrista Rory Gallagher, já tinha data para acabar quando pisaram no palco do festival. Esta foi uma das últimas apresentações da banda e seus integrantes já nem se falavam mais na época do show. Essas desavenças não foram obstáculo para uma performance impecável.



Como a concorrência não era pequena, fica difícil cravar alguma banda como a principal atração de um dia ou de outro. Após o Taste, foi a vez de a banda estadunidense Chicago mostrar seu repertório baseado nos dois primeiros discos, The Chicago Transit Authority e Chicago. Então, subiu ao palco os britânicos da Family que estavam começando a flertar com o rock progressivo. O primeiro grande dia do festival foi encerrado pelo Cactus. Os estadunidenses tinham acabado de lançar seu primeiro álbum e já tinham a fama de uma das bandas mais pesadas do blues-rock. Boa parte dessa fama era justificada pela presença de Tim Bogert no baixo e do baterista Carmine Appice, uma das melhores “cozinhas” do rock’n’roll.
O terceiro dia de festival, que mostrou Taste, Family, Chicago e Cactus; foi o mais pesado, que ainda contou com o coral Voices of East Harlem. Os amplificadores já estavam devidamente testados e aprovados.



Sábado (29 de agosto)
No sábado veio o clímax da ansiedade que tomava conta da ilha desde quarta entre o público e desde muito antes entre quem trabalhava para fazer o festival. O som estava funcionando como deveria, o palco agüentava bem, mas a maior parte do público já estava ali há três dias. Isso significava três dias sem um banho adequado, sem dormir e comer bem. Ainda contando com as bad-trips, o quarto dia já não era tão agradável quanto os outros. Por isso, a resposta do público às apresentações de alguns artistas não foram positivas.
Joni Mitchell foi a primeira atração de peso do dia, e também a primeira a provar a irritação da platéia. Um hippie subiu no palco para fazer algum discurso. Quando foi retirado na marra pelo empresário da cantora, o público começou a vaiar intensamente. Ela só conseguiu terminar a apresentação depois de fazer um apelo à audiência.
Após a apresentação de Tiny Tim, que acalmou um pouco os ânimos da gigantesca massa, Miles Davis levou toda a exuberância de Bitches Brew para aquelas 600 mil pessoas. Ninguém pode vaiar Davis. Não porque é proibido, é no mínimo falta de inteligência. Além das músicas do álbum recém lançado, as releituras elétricas para as músicas de outros álbuns foram formidáveis. A banda que acompanhou Miles contava com Gary Bartz, no sax soprano, Chick Corea, no piano, Keith Jarrett no órgão, Dave Holland como baixista, Jack de Jonhnette na bateria e Airto Moreira na percussão.
O Tem Years After já era uma banda respeitada do blues-rock britânico, inclusive nos Estados Unidos graças à repercussão de sua apresentação em Woodstock. Os ingleses apresentaram na Ilha de Wight uma seqüência muito parecida com o festival estadunidense anterior. O trio de rock progressivo Emerson, Lake and Palmer fez desta, a sua segunda apresentação apenas. Lá, eles tocaram na íntegra o álbum Pictures of Exhibition, inspirado numa peça de dez movimentos para piano do russo Modest Mussorgsky de 1874, que foi lançado somente em 1971.
Alguns momentos após a saída do ELP era a vez de uma das bandas mais aguardadas. O Doors, quando pisou no palco, já era uma banda consagrada, com cinco álbuns lançados. Não há registros seguros da lista de músicas apresentadas durante o show, mas, provavelmente, foi uma mescla dos álbuns já lançados. A apresentação da banda não foi gravada oficialmente em áudio e vídeo por uma exigência da banda. Os registros que existem são gravações da platéia.
Apesar disso tudo, o melhor da noite ainda estava por vir. O Who era a banda símbolo do rock inglês. Através de sua história, pode-se contar a caminhada do gênero durante os anos 60 de 70 naquele país. Mais que isso, você pode entender como a juventude inglesa tentava se livrar da caretice de uma sociedade que ainda juntava os cacos da guerra ouvindo as músicas do Who. Aquele show não foi uma apresentação musical apenas. Foi um dos maiores acontecimentos que celebrou uma geração que começava a entrar na fase adulta com a certeza de que já haviam mudado muita coisa. Eles eram livres. É dessa liberdade que a ópera-rock Tommy trata. No seu segundo festival na ilha, o Who estava em plena turnê do álbum Tommy, de 1969, e já havia feito concertos históricos como o do festival de Woodstock e no refeitório da universidade de Leeds, além da própria ilha de Wight. Porém, a carga histórica dessa apresentação é maior. A banda estava no auge da turnê e tocava melhor que nunca.
Quando o Who saiu do palco deixou um público satisfeito, extasiado e cansado. A madrugada aproximava-se do fim quando Sly Stone e sua trupe assumiram o comando para agitar o público com clássicos de seu repertório como I want to take you higher e Dance to the music. Quando a banda fez um intervalo, algum ativista político subiu ao palco para discursar e virou alvo de latas e garrafas que vinham da todos os lados. O guitarrista Freddie Stone levou a pior, foi acertado na cabeça e a precisou viajar para algum posto médico. Certamente não era essa a viagem planejada pelo guitarrista para aquela noite. A banda deixou o palco prometendo voltar no dia seguinte, mas esse retorno nunca aconteceu. Melaine, uma veterana de Woodstock, foi a última atração daquele sábado que já havia virado domingo há várias horas.


Domingo (30 de agosto)

A platéia que conseguiu ficar até domingo dentro daquela fazenda em Afton Down foi acordada pelo ensaio do Jethro Tull, em mais uma manhã ensolarada. Ser acordado pela passagem de som de uma banda como a de Ian Anderson é algo que somente um festival assim pode proporcionar.



O primeiro show que animou a platéia no derradeiro dia de festival foi o Free. A banda de Paul Rodgers estava na estrada com seu terceiro disco, Fire and Water, e botaram pra quebrar com All Right Now, talvez a melhor música da carreira da banda, e também com sua interpretação de Crossroads.
Donovan apareceu no festival ainda com o esquema de dois “sets”. O primeiro era acústico, sozinho. O segundo, elétrico com a banda Open Bar. Moody Blues e o Jethro Tull terminaram a parte das bandas boas e mortais do dia dando um aperitivo para o que viria dali a diante.
Já era segunda-feira, 31 de agosto, quando James Marshall Hendrix pisou no palco do festival ao lado de Mitch Mitchell e Billy Cox, sob a alcunha de ‘The Jimi Hendrix Experience’, abriram o show com a distorcida versão de God Save The Queen. Ali, Hendrix e sua banda eram as estrelas máximas do rock. O Who talvez dividisse o posto, os Stones arrastavam multidões e faziam muito dinheiro, mas não encarnavam o rock’n’roll tanto quanto o Who e o Experience naquele momento.
Jimi não estava no auge de sua técnica. 1969 havia sido um ano complicado para o musico. Hendrix perdera seu baixista, Noel Redding, e resolvera dar um tempo no Experience. Organizou a Band of Gypsys, com Cox no baixo e Buddy Miles na bateria, fez apresentações lendárias com essa banda no Fillmore East na virada do ano de 69. A formação que proporcionou as duas horas de música na Ilha de Wight era, portanto, uma miscelânea do Experience - a fusão de rock com jazz de Mitch – e com a Band of Gypsys – dos graves carregados de soul e funk de Billy.
Apesar da importância deste show para a carreira da banda e para o rock’n’roll, não é dos melhores da carreira de Hendrix. Essa nova versão do Experience fazia uma conturbada turnê pela Europa que acabou na primeira semana de setembro com o baixista tendo um colapso nervoso. O que torna esse show ainda mais histórico é o desenrolar da trajetória meteórica do garoto de Seattle. Foi o último concerto de Hendrix para seu público inglês. 600 mil pessoas estavam lá para dizer adeus e só saberiam disso três semanas depois. 600 mil pessoas para saudar o maior músico que o rock jamais teve. Para toda aquela gente no meio de um festival de proporções inimagináveis Hendrix só poderia ter feito o melhor show de rock de todos os tempos.
De certa forma, o Jimi Hendrix Experience encerrou a parte elétrica do festival. Os shows seguintes eram todos baseados em instrumentos acústicos. Quem teve a tarefa de encarar o público pós-Hendrix foi Joan Baez. Naquela altura da carreira, Joan já estava acostumada a “enfrentar” qualquer tipo de platéia. Com um repertório que mesclou suas composições e versões, principalmente dos Beatles, a musa do folk estadunidense ganhou a todos facilmente. Um dos pontos altos de sua participação foi sua releitura para Let it Be.


Agora só faltavam duas atrações no meio daquela madrugada. Leonard Cohen foi o penúltimo a se apresentar. Com apenas dois discos lançados até então, Cohen fez um show impecável, de quase noventa minutos com a banda The Army. Além das letras e melodias inspiradas, Cohen ganhou o público com poesia, seu charme inconfundível e lábia afiada. Cartas na manga que o canadense usa ainda hoje com sucesso estrondoso. As versões para The Partisan, Suzanne e Bird On The Wire são históricas.
O encerramento do festival ficou por conta do mesmo artista que abriu Woodstock: Richie Havens. Já era manhã de segunda quando Havens recepcionou a alvorada com Here Comes the Sun. Sua banda contava com um baixista, um percussionista, um guitarrista com um violão, além de sua voz e violão.
“This is the last festival, enough is enough. It began as a beautiful dream but it has got out of control and became a monster.” Essa era a sensação de muita gente que esteve lá naqueles dias logo após o encerramento do festival. Essa declaração, atribuída ao empresário Ron Foulk em primeiro de setembro de 1970, sintetiza bem as razões pelas quais o festival não foi mais realizado. O principal problema era logístico. Como transportar tanta gente durante cinco dias entre ilha e continente, e dentro da ilha? E a volta? Como acomodar essas pessoas de forma razoável durante o festival? Outras preocupações eram latentes e a conclusão foi a de que não havia condições para manter um festival dessas proporções.
O festival da Ilha de Wight terminou no auge. Não foi único como Woodstock, mas conseguiu construir uma aura em torno do que houve ali. Consegue ainda, mais 40 anos depois, chamar atenção dentro do turbilhão de informações que a internet traz. Que venham mais festivais como os da Ilha de Wight!

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